quinta-feira, 17 de maio de 2007

Noites da Queima das Fitas 2007 do Porto

Mais um ano, mais uma edição das Noites da Queima das Fitas do Porto. Como não poderia deixar de ser, estive no Queimódromo, nos dias em que os concertos o justificavam. Os meus anos de estudante de Licenciatura já lá vão e, embebido que estou na máquina que faz girar o país, não me sobra tempo nem disposição para investidas 'barraqueiras'.

Noite de dia 6 da Queima das Fitas 2007 PortoA primeira noite apresentava concertos dos The Mad Dogs, vencedores do concurso "Salta da Garagem para o Palco Principal" (promovido pela FAP), e dos Blasted Mechanism, que avançam na estrada na apresentação do álbum "Sound in Light".

A banda do Porto teve a 'honra' de abrir o Palco Principal das Noites da Queima das Fitas do Porto. Se isto poderia significar tocar para um grande número de pessoas, o facto de as portas abrirem apenas a partir da meia-noite, a revista demorada por parte da Polícia a quem entrava no recinto e, provavelmente, a grande massa de estudantes estar ainda a caminho do Queimódromo, oriundos da Serenata, fez com que fossem (ainda) poucos os presentes.
Ainda assim, os The Mad Dogs não deixaram fugir a oportunidade de dar a conhecer o seu rock'n'roll fluido, com uma actuação competente e um bom relacionamento com o público. A destacar "Wrong girl, right choice" (ver vídeo) e "Gimme rock'n'roll" (ver vídeo), temas que ilustram a sonoridade característica dos The Mad Dogs. Se o concerto não foi deslumbrante, foi, no mínimo, cumpridor.

Com grande expectativa (mais uma...) aguardava o concerto dos Blasted Mechanism, agora que já ouvi o álbum "Sound in Light" (ler o artigo "Sound in Light / Light in Sound") o número de vezes suficiente para reconhecer as músicas e - algo que me agrada imenso - cantá-las. Por isso, não seria sincero se dissesse que gostei do concerto. Ou melhor, não gostei do som! Nada mesmo. Não sei se a falta de qualidade do som se justifica pelo facto de o 'sound-check' não ter sido o mais correcto, ou outros problemas que não quero nem consigo agora imaginar, o que sei é que já ouvi concertos dos Blasted Mechanism com um som muito mais limpo. O próprio público não esteve, também ele, ao nível de concertos anteriores, facto comprovado e questionado pelo próprio Karkow.
Blasted Mechanism nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoA componente cénica parece ter sido a salvação do espectáculo, num concerto onde mais palavras em português ouvi da boca de Karkow. Se o 'karkoviano' soa estranho, não deixa de ser curioso como o português não soa menos estranho.
Os Blasted Mechanism passearam por temas do novo álbum, como "Unarmed rebellion" (ver vídeo) e "Sound in Light" (ver vídeo), mas também pelos álbuns anteriores, como "Blasted Empire" (ver vídeo), "I believe" e "Are you ready". Para fim de concerto, estavam destinadas músicas como "Nazka", "Maytsoba" (que, na minha opinião, é a música mais poderosa e que melhor ilustra o que é um concerto dos Blasted Mechanism) e "Atom bride theme", mas também estas não sobreviveram ao som miserável que debitava das colunas.
Fico a aguardar um outro concerto, onde possa desfrutar da verdadeira qualidade sonora, e aproveito para deixar aqui o desejo de voltar a ouvir temas que não ouço há muito nos concertos: "Swinging with the monkeys", "Memories will fade" e "Bolivian Feel"!

Noite de dia 7 da Queima das Fitas 2007 PortoA minha segunda noite de concertos foi na denominada 'noite reggae'. Não sou - nunca fui - grande apreciador deste estilo de música. Estou bem consciente do goto em que caíu o 'reggae', da penetração deste estilo em muitas 'playlists' e, embora não me agrade muito, ouço as músicas de início ao fim quando me são dadas a ouvir. Considero-me, por isso, mais do que isento para falar sobre os concertos desta noite.

Mercado Negro nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoOs Mercado Negro apresentaram um concerto de grande componente festiva e onde destaco a insistência de Messias (ex-membro e co-fundador dos Kussondulola), em levantar a moral dos presentes, com mensagens de apelo a uma confraternização saudável, mas também de intervenção, com sonoridades espirituais. Embora com alguns passos de dança próximos do imaginário de saltimbancos, a capacidade de comunicação foi coroada com a partilha das vibrações em temas como "Arco-íris" (ver vídeo), "Oh Lua" (ver vídeo) e "Beija-flor" (ver vídeo).
Devo referir ainda a acção de marketing levada a cabo por Messias na apresentação do sítio web da banda, onde podemos efectuar a compra de t-shirts. Porque refiro isto? 'Puristas' do 'reggae' explicaram-me que esta - continuemos a chamar-lhe assim - "acção de marketing" vai contra os conceitos de que se constitui a filosofia 'reggae' ("Babilónia"...). Não sei. Ou porque não estou muito identificado com essa filosofia, não fico nem chocado, nem surpreso, nem nada. Apenas fui lá para ver o concerto de uns Mercado Negro, com o objectivo de ser entretido. E fui.

Patrice nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoMais 'novo' para mim era Patrice, cujo nome (devo confessar) nunca tinha sequer ouvido. Até para conseguir escrever este artigo, fui auscultando pessoas no sentido de me fornecerem dados sobre o 'artista'. Passo a apresentar alguns dos referidos: "Oh!...", "É mais ou menos...", "Não vais curtir...", "É reggae p'ras gajas"...
Com uma expectativa nivelada muito por baixo, ouvi Patrice sem qualquer compromisso. Talvez por isso, também tenha gostado, também porque me senti entretido, mesmo se músicas houve em que Patrice ficou a solo no palco a cantar, momento tido por muitos (eu incluído) como ideal para deslocações a barracas para recarga dos sumos de cevada ou wc's para a descarga desses mesmos sumos de cevada...
Com letras que apelam a uma consciencialização social, e com os acordes da sua guitarra, atingiu-se, por vezes, momentos de celebração colectiva, como foram os casos dos temas "Murderer" (ver vídeo) e "Soulstorm" (ver vídeo).

A globalidade dos sons no palco principal na noite 'reggae' foram quentes, descontraídos e, por vezes, contagiantes. A sensação de 'partilla' sobrevoou a área dos concertos, num misto de tranquilidade e acção.

Rui Azul Index nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoNa tenda 'CineJazz' (área onde me considero totalmente suspeito) estava reservada a 'surpresa' e, para mim, o momento alto da noite. Com uma decoração próxima do ideal (alcatifa a convidar a uma fruição do espectáculo sentado ou mesmo deitado), o projecto Rui Azul Index (ver vídeo) foi o 'cicerone' de serviço na viagem pelo mundo do jazz.
Através de narrações da História do Jazz dos anos 50, 60, 70, 80 e 90 do século passado, e com uma cuidada e coordenada apresentação de slides com artistas proemimentes (vi lá o genial Pat Metheny...), foram sendo transmitidas informações históricas e músicas dessas décadas. A dada altura, não resisti a contemplar o som na posição horizontal...
É uma iniciativa que aplaudo com vigor, e que demonstra atenção por parte dos organizadores em incluir sonoridades 'à margem' das tradicionais dos concertos da Queima.

O balanço da noite foi altamente positivo, e considero muito bem empregue o dinheiro gasto e tempo passado no Queimódromo.

Noite de dia 10 da Queima das Fitas 2007 PortoA presença na noite de quinta-feira foi causada pela satisfação resultante da noite de segunda-feira. Inicialmente, não estaria presente nesta noite, pois não sou grande conhecedor de Mundo Secreto e não tenho boa impressão de concertos dos Da Weasel na Queima do Porto. Ainda assim, porque tento não ser fóbico, investi em mais um bilhete para poder opinar com fundamento sobre os artistas desta noite.


Mundo Secreto nas Noites da Queima das Fitas 2007 do Porto Dos Mundo Secreto, banda de Leça da Palmeira, fiquei a saber que têm um tema incluído na novela "Morangos com açúcar". Não vou aqui discutir se isso é bom ou não, o que me parece certo é que todos os 'artistas' incluídos na banda-sonora da dita novela passam por uma espécie de 'limbo' (termo teosófico recentemente encerrado pela religião católica) do espectro musical português.
O que há a dizer então sobre a rapaziada (10 elementos!) presente no palco principal no primeiro concerto de quinta-feira? Segundo palavras dos próprios, estavam a "jogar em casa", facto que se notou no à-vontade do relacionamento com o público e a fluidez do desfile das músicas. Com 4 vocalistas a debitar o conteúdo linguístico de letras jovens e 'frescas', assistiu-se a uma primeira parte com uma certa musicalidade variada e bastante versátil.
Numa sequência musical apresentada pelo DJ de serviço, que eu definiria como segunda parte do concerto, foram apresentadas vocalizações novas para temas de Led Zeppelin, Pink Floyd, Grandmaster Flash e Run DMC. É questionável esta opção, tendo ficado no ar a ideia de que serviram para preencher tempo... Numa altura em que muito se fala de direitos autorais, fica a pergunta (para quem quiser e/ou saber responder) no ar relativamente ao enquadramento legal daquilo que foi apresentado nesta sequência.
A 'terceira' parte foi o clímax do ambiente festivo que os Mundo Secreto conseguiram injectar. Temas como "Hey Boy", "Chegamos à party" (ver vídeo), com uma especial e interessantíssima batucada (ver vídeo), "Sente a vibração" e "Hip-Hop (põe a mão no ar)" (ver vídeo) concluíram um concerto de uma banda que, longe de contribuir para novos caminhos musicais ou demonstrar primor técnico, tem presente na música e na atitude parâmetros decisivos para uma óptima celebração.
Será uma banda a ter em atenção, no sentido de verificar a (esperada) evolução. Parafraseando um dos MC, "até looougo...".

Da Weasel nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoPela enésima vez na Queima das Fitas do Porto, os Da Weasel vieram apresentar o seu mais recente álbum "Amor, Escárnio e Maldizer". Com uma (nova) postura de assumida paixão pelas gentes e atitudes da "malta do Porto" (não consigo esquecer a troca de mimos entre banda e público num concerto na Queima de 2002 ou 2003, onde Virgul, se dirigiu ao público com um sonoro e infeliz "Filhos da p***"...), o concerto foi potenciado por uma componente luminosa e visual completamente inédita para mim. Se me lembrar que o concerto destes mesmos Da Weasel da Queima de 2005 foi de tal modo pouco apelativo, ao ponto de me ter ausentado do recinto para ir jogar matraquilhos (coisa que não fazia há anos...), então a maior virtude do concerto deste ano foi exactamente o facto de ter recolhido a minha atenção e ter feito com que apreciasse o concerto todo. Sou obrigado a assumir que foram as luzes e vídeos que me prenderam, uma vez que, musicalmente, os Da Weasel apresentaram mais do mesmo.
Sem dúvida que alguns refrões apelam a um coro uníssono, em temas como "Todagente", "Outro nível" (ver vídeo), "Re-tratamento" (ver vídeo), "Tás na boa" (ver vídeo) e o novo "Dialectos da ternura" (ver vídeo), que constituíram os momentos altos da noite. A rever o tom 'zunzurrante' de algumas baladas apresentadas, onde a voz grave de Pac Man não permitia perceber as letras...
Por fim, destaco a mensagem final da música "P*** da revolução", onde Pac Man apela ao respeito racial, sinal de alguma maturidade e evolução relativamente a situações como a vivida no tal concerto em 2002 ou 2003.

Minneman Blues Band nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoA Minneman Blues Band foi a seleccionada para animar aqueles que se deslocaram à tenda 'CineJazz' e, embora com um 'ambiente' diferente de segunda-feira, também nesta noite se viveram momentos altos. A fruição do concerto de pé, por parte de alguns, e a postura completamente alucinada do responsável pelas teclas e voz, transformou a tenda em bastante mais do que o 'lounge' que se esperaria. Ainda que algumas vezes 'interrompidos' pela atitude de 'paparazzi' Os paparazzi do Porto Canallevada a cabo pelos repórteres do "Porto Canal", que insistiam em arrancar expressões e declarações dos presentes, continuo a achar que a tenda 'CineJazz' merece o meu prémio de 'boa onda' nesta Queima das Fitas do Porto 2007.

A palavra final, e importante!, vai para os preços praticados pelas barracas Super Bock. FI-NAL-MEN-TE, descobriram o ponto de equilíbrio na relação preço/quantidade, que certamente fez com que os lucros da venda do tão precioso sumo de cevada atingisse valores inéditos. Dá que pensar que, na Casa da Música (mesmo nos concertos no estacionamento), por exemplo, determinada empresa de 'catering' aplique preços 4 vezes superiores aos praticados nesta Queima.

Hugo Canossa - "Apreciações" #004

sábado, 5 de maio de 2007

Sound in Light / Light in Sound

Os Blasted Mechanism apresentam em "Sound in Light" um álbum duplo num formato diferente, em que uma metade é física e a outra é oferecida pela banda na Internet. Os dois anos que passaram na estrada a promover "Avatara" fez com que a criatividade atingisse valores musicais que não cabiam num único disco, optando por inserir outros temas que permitissem manter a conceptualidade do disco.

A metade física do álbum apresenta sons frenéticos e vibrações agudas, como em "Battle Of Tribes" (ver registo do concerto de 17 de Março no Pavilhão Municipal de Gaia), sons tribais no manifesto de iniciação para a "Total Rebellion", mensagem étnica de (re)união e esperança no single de apresentação "All the Way" (ver registo do concerto de 17 de Março no Pavilhão Municipal de Gaia), a força do tema-título "Sound in Light" (ver registo do concerto de 6 de Maio no Queimódromo do Porto), agradáveis atmosferas, como "Sunshine" (com o diálogo entre Dani, do projecto espanhol “Macaco”, e a flauta de Rão Kyao), a falsa balada de tons electrónicos "URU (Strange Faces)", com um crescendo que resulta num declamar de timbre cómico de guitarra e metais, o típico som Blasted, enérgico e poderoso em "Mystical Power", e o electro-rock musculado, com letra envolvente, de "You Never Gave Me Nothing".
Numa convivência saudável com todo este frenesim, encontramos baladas como "We" (com uma guitarra lacrimosa, a cargo de António Chainho), a ambiência misteriosa de "Suddenly", as tonalidades orientais misturadas com bases rítmicas tribais e vocalizações imaginárias de "N’dezdai Ddu Stae", o ritmo dançável da mensagem pacifista 'descritiva' de uma viagem a Etiópia de "Unarmed Rebellion" (ver registo do concerto de 6 de Maio no Queimódromo do Porto), as percussões étnicas e tribais de "Zimadê", e a introdução "Sfi Nassam" para a atmosfera ambiental de "New Assault".

Apresentado como grande inovação na relação com os fãs, e com um pensamento na defesa dos direitos autorais, o CD "Sound in Light", disponibiliza, após inserção num computador com ligação à Internet, um link que permite descarregar "Light in Sound", a metade virtual do álbum, bem como o elemento gráfico (a 'bolacha') para colar no CD-R utilizado para a gravação. O digipack original contém uma ranhura onde pode ser guardado este álbum. Estão prometidos mais temas que farão crescer a parte virtual ao longo do ano.

Light in SoundEste disco representa o 1º CD "não-original", "desmaterializado", que tenho dos Blasted Mechanism. Acredito que uma publicação a este nível tenha em atenção o enquadramento no contexto legal das posses de cópias de CDs. Quero também acreditar que existe alguma (in)formação no interior das forças de autoridade para a realidade de posse de CD-R fornecidos pelos próprios artistas.

Musicalmente falando, "Light in Sound" apresenta temas fortes com o break electrónico e o crú ritmo drum'n'bass, de sonoridade oriental, de olhos 'on Tibet', com uma melancólica e curiosa vocalização no final de "Reveal Your Art", o crescendo dos metais a contribuir para o resultado festivo de "Barbiturical Convulsion" e o rock electrónico de "Lean Over".
Para um desfrutar mais relaxado, podemos apreciar a sonoridade céltica da gaita-de-foles de "Dimensional Nomads", o downtempo electrónico com um jogo vocal de "Vibe Master", a balada "Rise To The Level", o rock nostálgico de "The Perfect Shine", o downtempo atmosférico, convidativo para uma viagem em tapete voador de "Mahatma" e a música minimal dançável de "Saturn" e "1000 Miles".

Ao 5º álbum de originais, o conceito Blasted Mechanism atinge um grau de apuro próximo daquilo que pode ser visto ao vivo. O espírito festivo, potenciado com as colaborações dos Kumpania Algazarra, Transglobal Underground ou Gaia Beat, a envolvência étnica, as batidas electrónicas e sons das raízes, remexidos num autêntico caldeirão de fusões musicais, constituem-se como convites para presenças obrigatórias nos ambientes tribais de celebração dos concertos ao vivo, o 'habitat' natural por excelência destes seres.

Hugo Canossa - "Apreciações" #003