segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Man a with Movie Camera

The Man with Movie Camera"Man a with Movie Camera" (no original, "Chelovek's kino-apparatom", filme-mudo, Rússia, 1929), de Dziga Vertov (nascido Denis Arkadevich Kaufman), apresenta, nas palavras do próprio, "uma experiência na comunicação cinematográfica dos acontecimentos reais. Sem a ajuda de legendas intercalares, sem a ajuda de um cenário, sem a ajuda de um teatro, sem palco, sem actores. Este trabalho experimental tem o objectivo de criar uma linguagem de cinema absoluta e verdadeiramente internacional baseada no seu total afastamento da linguagem do teatro e da literatura".

Dziga consegue cumprir com (quase) todas as suas premissas, dado que o seu filme apresenta uma amplificação do poder do olhar humano, por intermédio de uma câmara móvel que capta acontecimentos da vida real, transformando-os depois, através da expressão da potenciação das imagens e com recurso à montagem, numa sequência não-visível ao olho humano e que foge às convenções cinemáticas de então.

No início do filme, vemos imagens de um público a entrar num auditório preparando-se para assistir à projecção de um filme. Verificamos depois que o filme que essas pessoas se preparam para ver é exactamente o mesmo que estamos a visualizar. O filme que nos é então apresentado (e às pessoas no auditório), mostra imagens de um operador de câmara (Mikhail Kaufman, irmão de Vertov) a preparar-se para registar o movimento da cidade de Odessa e outras desde o nascer do dia, ainda antes de as pessoas saírem às ruas.

Assiste-se à exibição de uma série de 'rituais', tais como o nascimento, o casamento ou a morte: recém-nascidos são mostrados ao mesmo tempo que vemos imagens do sol a iluminar a cidade; imagens de actividades associadas ao trabalho, como telefonistas a fazerem ligações, pessoas a lavarem as ruas e mineiros, intercalam com imagens do homem da câmara de filmar a subir, por exemplo, a uma chaminé (de pensar no esforço físico necessário, dado o conceito de portabilidade das câmaras de então...) para registar o plano picado de uma fábrica. Imagens associadas ao lazer, como pessoas nas praias, pessoas a praticar desporto, a ter cuidados com o corpo, a assistir a uma demonstração de ilusionismo, na feira popular ou numa cervejaria, igualmente intercaladas com imagens do homem da câmara a captar estas imagens.

Após exposição do trabalho de registo vídeo, o filme passeia então por planos de uma mulher (Elizaveta Svilova, esposa de Vertov), na mesa de edição a analisar as imagens registadas em película e a ordená-las numa base de dados, para facilitar a posterior manipulação aquando da fase de montagem.

Somos presenteados por uma densidade de conteúdos composta pela simultaneidade de três níveis: a imagem em si, registada pelo operador de câmara, imagens do operador de câmara a registar essa imagem e a visualização do resultado destes registos na mesa de montagem. O homem da câmara de filmar apercebe-se, à medida que vai registando mais e mais imagens, que o seu olhar é sobremaneira potenciado pelo registo em película dessas imagens e pela posterior possibilidade de manipulação na montagem.

Tudo isto constitui o filme que continuamos a visualizar, juntamente com as pessoas que, desde o início, o visualizam connosco no auditório. Vertov foge à edição-padrão de filmes (selecção e ordenamento de material previamente filmado de acordo com um guião pre-existente), fazendo que o relacionamento, ordenação e re-ordenação dos planos seja o próprio filme. Recorre então, numa modernidade assinalável, a técnicas de montagem como sobre-exposição de imagens, câmara rápida e câmara lenta, congelamento de imagem, 'split screen', reversão e outros. As gravações existentes numa base de dados e dispostas de um modo particular tornam-se uma imagem da vida moderna, ao mesmo tempo que se constituem como um argumento da vida moderna.

Com várias bandas-sonoras aplicadas ao longo de vários anos (Geir Jenssen, Alloy Orchestra, In the Nursery ou Michael Nyman, para citar algumas das mais conhecidas), tive o prazer de assistir, em pleno auge do "Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura" à sonorização ao vivo e em directo da banda de jazz electrónico The Cinematic Orchestra, no Coliseu do Porto. Momento alto da conjugação de cinema e música, foi de um sublime interesse poder apreciar a prestação de uma banda que, com o seu álbum de estreia "Motion", era já referência da minha discoteca com um filme que é hoje referência na minha DVDteca.

Hugo Canossa - "Apreciações" #009