quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sobreviver a mais um quilómetro

Estranhamente, confronto-me com algo que não consigo perceber: a “caça à multa”. É algo que, para mim, faz tanto sentido como roubar o ar que se respira. É que, segundo me explicaram aqueles que a entendem, não é bem aceite que as autoridades policiais procurem infractores para os autuar... Procurar?... Basta olhar!!!

Todos os dias percorro no meu automóvel cerca de 60kms dentro do distrito do Porto e se há coisa com que me deparo constantemente são infracções ao Código de Estrada: desde o excesso de velocidade às ultrapassagens em linha contínua, passando pelo desrespeito da sinalização, regras ou das mais elementares normas de conduta cívica, é um autêntico “a ver se te avias”, com centenas de veículos a competir, a empurrarem-se, a insultarem-se, a ameaçarem-se, enfim, uma verdadeira selva, onde impera a lei do mais forte... Desculpem, a lei do com mais sorte. E claro, isto tem consequências, que não podiam ser piores... Só temos das piores taxas de sinistralidade da Europa, com números de mortalidade que fazem inveja a qualquer guerra civil, mas isso todos nós sabemos. Agora, o que poucos se aperceberão, é que esta realidade é do interesse ou proveito de alguém. Só pode, senão qual é o sentido de morrerem mais pessoas nas nossas estradas que soldados americanos no Iraque ou Afeganistão? Qual é a lógica de morrerem só no mês de Agosto de 2007 mais de 80 pessoas, e nós sentirmos como se fizesse parte da vida, dizendo mesmo que “quem anda à chuva molha-se”...? No entanto, durante este ano, 6 seguranças de discotecas foram assassinados, e praticamente instalou-se o pânico na opinião pública e até o próprio Presidente da República falou publicamente, dizendo que se deveriam tomar medidas para acabar com o sentimento de insegurança causado por estes assassinatos... Esta é a grande questão: quem, ou o quê, nos impede de ver este genocídio como ele é? Quem ganha com isto? Porque não tomamos medidas drásticas para resolver este flagelo, porque afinal é de uma autêntica carnificina que se trata?!?

Até agora, consegui reunir 3 teorias:

1ª teoria - "Até parece que assim é!!"
Existirá algo sobrenatural e misterioso que, por formas que desconhecemos, consegue manipular-nos de tal forma que, quando nos sentamos ao volante, nos tranforma em máquinas de matar, uma espécie de “Matrix” à portuguesa, onde forças superiores nos programam para quando em contacto com um veículo automóvel (e ao contrário do que seria humanamente expectável) bloquear o lado racional do nosso cérebro e deixar a funcionar apenas com o lado reptiliano? Certamente todos nós já assistimos a acidentes automóveis, nos quais os envolvidos, quando saem das suas viaturas colocam as mãos à cabeça, como que acordando repentinamente de uma hipnose, e perguntando-se: “ O que é que eu estava a fazer?... Onde é que eu estava com a cabeça...?”

2ª teoria - "Sempre tem mais sentido..."
Existe um lóbi secreto que agrega mecânicos, médicos e agentes funerários que, discretamente, controlam a autoridade policial, de forma a impedi-los de actuar, não contribuindo para dissuadir aqueles que todos os dias são responsáveis por fazer crescer a clientela daqueles que controlam o lóbi.

3ª teoria - "A brincar que o digas..."
A Polícia entende que circular nas nossas estradas é extremamente perigoso. Como tal, não quer expor os seus agentes a estes perigos, libertando-os para grandes operações de fiscalização apenas depois das 21:00, quando a grande parte dos condutores já está em casa. Assim conseguem alguma cobertura jornalística, pois a partir dessa hora já poucas coisas acontecem neste país. Durante o dia lá vão passando umas “multitas”, de preferência de estacionamento (desde que não sejam muitas) em locais muito movimentados, como a baixa da cidade e, mais uma vez, para que possam ser vistos por muita gente. Por seu lado, os condutores também conhecem os perigos de circular em Portugal e, como tal, quanto menos tempo passarem na estrada, menos possibilidades têm de morrer nela. Torna-se, por isso, fundamental acelerar o máximo possível para minimizar o tempo de risco. Se possível, devem deixar os carros em cima do passeio de forma a libertarem-se da estrada o mais rapidamente e, se isso não for possível, abandonar o carro em segunda fila, mas nunca procurar um lugar de estacionamento, nem que seja mais longe do nosso destino, pois isso só vai aumentar a probabilidade de sermos atingidos por esse monstro da sinistralidade.

Em jeito de conclusão, que dá sempre um ar intelectual a estas parvoíces pensadas, apelo a todos os que, como eu, acreditam que é mais fácil levar com um carro nas trombas do que com uma bala perdida, que acrescentem teorias e, quiçá, iniciem investigações no intuito de nos libertar deste “Olha, acontece...”

Nuno Gomes - "Estranha Mente" #003