quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Sobreviver a mais um quilómetro

Estranhamente, confronto-me com algo que não consigo perceber: a “caça à multa”. É algo que, para mim, faz tanto sentido como roubar o ar que se respira. É que, segundo me explicaram aqueles que a entendem, não é bem aceite que as autoridades policiais procurem infractores para os autuar... Procurar?... Basta olhar!!!

Todos os dias percorro no meu automóvel cerca de 60kms dentro do distrito do Porto e se há coisa com que me deparo constantemente são infracções ao Código de Estrada: desde o excesso de velocidade às ultrapassagens em linha contínua, passando pelo desrespeito da sinalização, regras ou das mais elementares normas de conduta cívica, é um autêntico “a ver se te avias”, com centenas de veículos a competir, a empurrarem-se, a insultarem-se, a ameaçarem-se, enfim, uma verdadeira selva, onde impera a lei do mais forte... Desculpem, a lei do com mais sorte. E claro, isto tem consequências, que não podiam ser piores... Só temos das piores taxas de sinistralidade da Europa, com números de mortalidade que fazem inveja a qualquer guerra civil, mas isso todos nós sabemos. Agora, o que poucos se aperceberão, é que esta realidade é do interesse ou proveito de alguém. Só pode, senão qual é o sentido de morrerem mais pessoas nas nossas estradas que soldados americanos no Iraque ou Afeganistão? Qual é a lógica de morrerem só no mês de Agosto de 2007 mais de 80 pessoas, e nós sentirmos como se fizesse parte da vida, dizendo mesmo que “quem anda à chuva molha-se”...? No entanto, durante este ano, 6 seguranças de discotecas foram assassinados, e praticamente instalou-se o pânico na opinião pública e até o próprio Presidente da República falou publicamente, dizendo que se deveriam tomar medidas para acabar com o sentimento de insegurança causado por estes assassinatos... Esta é a grande questão: quem, ou o quê, nos impede de ver este genocídio como ele é? Quem ganha com isto? Porque não tomamos medidas drásticas para resolver este flagelo, porque afinal é de uma autêntica carnificina que se trata?!?

Até agora, consegui reunir 3 teorias:

1ª teoria - "Até parece que assim é!!"
Existirá algo sobrenatural e misterioso que, por formas que desconhecemos, consegue manipular-nos de tal forma que, quando nos sentamos ao volante, nos tranforma em máquinas de matar, uma espécie de “Matrix” à portuguesa, onde forças superiores nos programam para quando em contacto com um veículo automóvel (e ao contrário do que seria humanamente expectável) bloquear o lado racional do nosso cérebro e deixar a funcionar apenas com o lado reptiliano? Certamente todos nós já assistimos a acidentes automóveis, nos quais os envolvidos, quando saem das suas viaturas colocam as mãos à cabeça, como que acordando repentinamente de uma hipnose, e perguntando-se: “ O que é que eu estava a fazer?... Onde é que eu estava com a cabeça...?”

2ª teoria - "Sempre tem mais sentido..."
Existe um lóbi secreto que agrega mecânicos, médicos e agentes funerários que, discretamente, controlam a autoridade policial, de forma a impedi-los de actuar, não contribuindo para dissuadir aqueles que todos os dias são responsáveis por fazer crescer a clientela daqueles que controlam o lóbi.

3ª teoria - "A brincar que o digas..."
A Polícia entende que circular nas nossas estradas é extremamente perigoso. Como tal, não quer expor os seus agentes a estes perigos, libertando-os para grandes operações de fiscalização apenas depois das 21:00, quando a grande parte dos condutores já está em casa. Assim conseguem alguma cobertura jornalística, pois a partir dessa hora já poucas coisas acontecem neste país. Durante o dia lá vão passando umas “multitas”, de preferência de estacionamento (desde que não sejam muitas) em locais muito movimentados, como a baixa da cidade e, mais uma vez, para que possam ser vistos por muita gente. Por seu lado, os condutores também conhecem os perigos de circular em Portugal e, como tal, quanto menos tempo passarem na estrada, menos possibilidades têm de morrer nela. Torna-se, por isso, fundamental acelerar o máximo possível para minimizar o tempo de risco. Se possível, devem deixar os carros em cima do passeio de forma a libertarem-se da estrada o mais rapidamente e, se isso não for possível, abandonar o carro em segunda fila, mas nunca procurar um lugar de estacionamento, nem que seja mais longe do nosso destino, pois isso só vai aumentar a probabilidade de sermos atingidos por esse monstro da sinistralidade.

Em jeito de conclusão, que dá sempre um ar intelectual a estas parvoíces pensadas, apelo a todos os que, como eu, acreditam que é mais fácil levar com um carro nas trombas do que com uma bala perdida, que acrescentem teorias e, quiçá, iniciem investigações no intuito de nos libertar deste “Olha, acontece...”

Nuno Gomes - "Estranha Mente" #003

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

A importância da leitura para mim...

O som do mar a abraçar a areia da praia ou a afagar as rochas da costa, o chilriar dos passarinhos numa manhã ensolarada de Primavera, o aroma inebriante de um imenso campo florido, o cheiro da chuva na terra, as pequenas e brilhantes gotículas de orvalho nas frágeis folhas das plantas, o primeiro e inevitável sorriso da mãe ao vislumbrar pela primeira vez o seu recém-nascido, o abraço entre dois jovens verdadeiramente apaixonados, o apertar de mãos do casal octagenário, o sabor paradisíaco da nossa sobremesa preferida, a cor da floresta reflectida no rio, a tonalidade do pôr do sol sob o céu limpo, a obra prima acabada de finalizar, o reencontro dos separados, o transpirar químico do amor puro.

O cheque acabado de ser roubado ao pensionista reformado, o bébé raptado da maternidade, o cliente enganado pelo vendedor, o violador absolvido pela justiça dos homens, a morte desonrada, o espelho partido, a voz histérica e esganiçada, a falta de cor do desmaiado, a comida estragada, as promessas em vão, os juramentos quebrados, o asqueroso cheiro do resultado da dor de barriga, a sombra do cimento citadino, o fumo dos escapes urbanos e chaminés industriais, o suor do stress e do medo, a falta de originalidade da música comercial, a mão de obra escrava, a incontornável fome, a doença exclusiva dos pobres, a prepotência dos auto-iluminados, a moda inesclarecida, a guerra físíca e psicológica, o poder do dinheiro.

Tudo isto é literatura porque tudo isto é real e tudo isto é vida. Passível de sentimentos contraditórios e reacções diversas. É assim a literatura. Mas afinal qual é a importância da literatura para mim? (ou para ele?) - interrogar-se-á o leitor destas palavras. Que lhe importa isso? - responderia o autor das mesmas. Será importante para si saber qual a importância da literatura para mim? Não sou um escritor premiado. E se o fosse? E se fosse eu um galardoado com a mais grandiosa distinção literária? Seria isso importante para si? Faria isso com que lesse mais literatura? Ou aumentaria, esse facto, a importância da literatura para si?

É muito mais fácil fazer zapping na televisão ou jogar um joguinho na playstation do que ler. Literatura claro está porque jornais desportivos e revistas cor de rosa vendem-se que nem gomas em frente ao ciclo preparatório.

Não tenho tempo. Não tenho paciência. Já me chega ter de ler as facturas que pago e as letras grandes dos contratos que assino (porque em relação às pequeninas, nem pensar em lê-las) - Dirá uma grande parte dos portugueses, provavelmente uma infeliz maioria mas como vivemos numa democracia...

Quanto a mim, ninguém me encomendou esta prosa e no entanto escrevia e fi-lo com o máximo prazer. É esta a importância da literatura para mim.

Miguel dos Santos - "III Milénio" #002

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

David Fonseca no Gamobar Art Stage

A Peugeot lançou no mercado o seu mais recente rebento, com a designação comercial "308". Numa acção de marketing bem conseguida, conseguiu juntar, no Gamobar Art Stage, perto de 1000 pessoas, na passada sexta-feira, 19 de Outubro. É certo que, para isso, contou com a presença de David Fonseca, num concerto que serviu para apresentar, entre outros, temas do novo álbum "Dreams in colour".

Primeiro ponto: não sou fã de David Fonseca, mas consegui bilhetes para o concerto (obrigado, Rádio Nova) e fui. Segundo ponto: continuo a não ser fã de David Fonseca, mas gostei de ver e ouvir o concerto, que teve uma qualidade de som de fazer inveja a muitos espaços dedicados...

David Fonseca no Gamobar Art StagePor volta das 22h30, David Fonseca e seus pares subiram a um palco montado naquilo que funciona como oficina em dias de semana... O assobio do momento, da música "Superstars" (ver vídeo), serviu de arranque para um espectáculo que, para além do áudio, teve momentos visuais muito bons. Interessante, e bem conseguida, a ideia de colocar câmaras de vigilância direccionadas para os 6 músicos, sendo o registo projectado para um ecrã, com a visualização simultânea das expressões e empenho de todos.

Do novo álbum foram também apresentadas músicas como "Kiss me, oh kiss me" e "4th chance". Os álbuns "Our hearts will beat as one" (2005) e "Sing me something new" (2003) não foram esquecidos, com músicas como "Who are U?", "Hold still", "Adeus, não afastes os teus olhos dos meus", "Someone that cannot love" (ver vídeo) e "The 80's" (ver vídeo) a apelarem à cantoria colectiva e dança controlada, potenciadas por uma repetida sonoridade de 'palminhas' em grande parte dos temas.

No 'encore', a agradável surpresa de uma deliciosa versão do original de Brian Ferry, "Let´s stick together" e a inevitável repetição da música "Superstars" ajudaram o público presente a abandonar o espaço com um sorriso nos lábios, de onde saía o assobio mais conhecido do momento (não é que é viciante, mesmo?...).

Ah, sim, e o Peugeot 308, a razão de tudo isto? Não vi, não quis ver. Aliás, vê-lo, só mesmo de fora do recinto... Estava com sede e tive que a saciar noutro local. Esta apresentação no Gamobar Art Stage não deu direito a isso.

Hugo Canossa - "Apreciações" #007

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Clima afectado

Dantes, dizíamos e ouvíamos dizer que este ou aquele estavam afectados pelo clima. Será que podemos, agora, dizer que o clima está afectado (por nós?)?

Encontrava-se este ou aquele afectado pelo clima quando demonstrava alteração moral ou física em relação ao seu, mais conhecido, padrão de normalidade comportamental. Actualmente, o clima revela, à escala planetária, uma alteração em relação ao padrão meteorológico a que nos tinha habituado.

Se a este ou àquele, pelas suas atitudes invulgares ou pela sua forma ou aspecto transtornados, não se pode, na maioria das vezes, imputar responsabilidade ao clima (ainda é bastante português e, se calhar, também humano, ouvir dizer ou dizer expressões como: “Este calor dá cabo de mim, nem consigo respirar"; "Este frio causa-me frieiras"; "Com este vento fico maluco"; "Com esta humidade o meu joelho mata-me"; "A maresia causa-me alergia"; "Este tempo é bom é para as gripes, ora está calor ou a chover e está sempre um vento do caraças.”). No entanto, relativamente à segunda parte da dialéctica supra iniciada, não podemos, de ânimo leve, desconsiderar a relação causa/efeito. Ou seja, quanto às incaracterísticas climáticas, podemos, facilmente, apontar alguns causadores.

Segundo alguns estudiosos do assunto defendiam, há alguns anos atrás, as variações climáticas podiam-se padronizar ciclicamente. Cada ciclo corresponderia a cerca da 50/60 anos, durante o qual as "estações do ano" estariam mais propensas a Invernos mais rigorosos e Verões menos quentes e vice-versa. Estes períodos sucediam-se alternadamente, sendo que estaríamos, neste momento, a atravessar um ciclo em que os Invernos seriam menos rigorosos e os Verões mais fortes.

Em Portugal, o último Inverno não foi muito frio apesar de ter chovido bastante. A passada Primavera foi essencialmente chuvosa e o Verão continua fraco e com pluviosidade não rara. Tem-se observado, ainda, de há várias semanas a esta altura, um constante vento médio, forte ou muito forte. Um notável meteorologista português, Anthímio de Azevedo, referiu a evolução constante e não periodicizável (será que esta palavra existe?) do clima. Reflexos de uma mutação permanente do planeta. O tempo óptimo teria ocorrido há cerca de 1800 anos atrás, por volta do II ou III século d.C.. Nessa altura, a Natureza estaria em quase perfeito equilíbrio, regulada por posições de natural simbiose entre equinócio e solstício.

Desde então, muito mudou. O planeta continua a viver, a evoluir, a mudar. Os próprios movimentos planetários e astrais não são matematicamente rigorosos nem britanicamente pontuais e muito menos facilmente calendarizáveis com precisão. A cronometrização científica em segundos, minutos e horas é falível. A calendarização em dias, semanas, meses e anos é ainda mais infiel. O que representará num milénio uma divergência de poucos segundos em cada dia em relação à posição dos astros? Como diria um antigo primeiro-ministro português, "é fazer as contas". A natureza não tem de ser pontual nem os astros necessitam de relógio. As coisas são o que são e acontece-lhes o que tiver de lhes acontecer independentemente de o tempo ser este ou aquele. Ou não?

A necessidade de contabilização e compartimentação do tempo é uma característica inalienável à Civilização Humana mas disso falaremos noutra altura.

Há ainda, a dar o seu contributo para a instabilidade do Clima, a mão Humana. A pesada e violenta manápula do Homem. Sem querer parecer fundamentalista ambiental, devo dizer, de garganta devidamente pigarreada, que o Homem é o principal causador do clima afectado em que vivemos.

Façamos a definição de clima como sendo o reflexo meteorológico e enérgico do planeta. A poluição causada pela actividade humana no planeta afecta, de forma directa e indirecta, o clima. O alargamento do buraco na camada de ozono, a desflorestação selvagem, o constante degelo dos glaciares, são, entre outros, os feitos do Homem para com a Terra. Como é que o clima não há-de estar afectado? Vai continuar afectado e não se preveem melhorias tão cedo.

Se a infernal máquina poluidora humana conseguisse apenas manter os níveis de poluição registadas em 2006, isto é, não os aumentar (como é provável que aconteça este ano e continue a acontecer durante muitos mais) durante uma série de anos, daqui para diante, só veríamos resultados positivos dessa atitude daqui a três ou quatro décadas.

O clima está afectado e vai continuar a estar enquanto o Homem continuar a olhar para o seu umbigo e ali ver uma espécie de buraco negro onde se poderá refugiar quando nada mais restar do seu habitat.

Segue-se a era dos mutantes e a sobrevivência será o lema. Já faltou mais.

Miguel dos Santos - "III Milénio" #001

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Tony Allen no Festival Músicas do Mar

O Largo do Passeio Alegre foi o local escolhido para receber o percussionista nigeriano Tony Allen, na abertura do I Festival Músicas do Mar, que decorreu na Póvoa de Varzim, de 30 de Agosto a 2 de Setembro.

Tony AllenNa passada 5ª feira, 30 de Agosto, cerca de 500 pessoas dividiam-se no recinto, entre curiosos nas bancadas, conhecedores e outros ávidos de mais e melhor conhecimento (onde me incluo eu...). A dada altura, o esvaziar das bancadas correspondeu a um aumento de pessoas que não quiseram deixar de dançar e desfrutar do estilo 'afro-beat', alternado entre ondas 'chill' e outras mais 'groove'.

O timbre agudo de Tony Allen, perto do imaginário de um "Barry White africano", acompanhado com a sua bateria, funciona como timoneiro de um barco onde os metais e os teclados assumem também assinalável importância. Músicas como "Ise nla" (ver vídeo) ou "Kindness" (ver vídeo) são um óptimo exemplo desta descrição...

A adesão por parte dos presentes foi bem visível. O próprio Tony Allen, que assumiu não ter uma postura muito comunicativa, disse sentir o publico "with tha groove"... E bem o podia sentir. De facto, aquilo que nos é dado a ouvir passeia entre uma sonoridade quase celestial, que convida a um estado de contemplação, e uma sonoridade mais dançável, com um apelo a (tentativas de) danças num formato, chamar-lhe-ei, livre...

Na 6ª feira, a animação esteve a cargo do conjunto grego/cipriota comandado por Alkinoos Ioannidis. Provavelmente, pela fasquia estar colocada a um nível altíssimo depois do concerto de Tony Allen, a competência técnica e o cumprimento musical com um certo sabor 'folk' não foram suficientes para segurar os já de si pouco expressivos presentes no concerto.

EddieNo sábado, foi a vez do Brasil se fazer representar por Eddie, num registo pop-rock que, sem deslumbrar (longe disso), fez por cumprir a sua função de animar o (pouco) público presente no recinto. Ainda assim, vislumbrou-se alguns conhecedores do seu som e que não deixaram de cantar algumas das músicas, como foram o caso de "As lombrigas e os vermes" (ver vídeo) e "Quando a maré encher" (ver vídeo).

É o balanço possível do Festival que, segundo palavras da organização, se quer afirmar, nos próximos anos, como uma referência a nível de "world-music". Prometo, desde já, estar atento às próximas edições e aferir do esperado crescendo de qualidade nos artistas seleccionados.

Hugo Canossa - "Apreciações" #006

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

III Milénio, por Miguel dos Santos

Nem elitista, nem brejeira. Sem pretensão, nem preocupação de informar, explicar, angariar ou influenciar. Apenas partilhar, comunicar… Aventura criativa. A liberdade como limite único.

Sem mais delongas, falemos de coisas sérias:
40 pessoas mortas no Iraque. O Governo Português actualiza tabelas de cuidados de saúde. Rio local infectado com descarga poluente. Descobertas baixas fraudulentas. A selecção portuguesa apura-se para o Mundial. Cão salva bebé de morrer afogado. Sócrates parte o anelar direito em exercício de estilo. Casamentos, divórcios e nascimentos pela Internet…

Bem vindos ao III Milénio!

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Os dias da cunha

A 'cunha' - ou 'factor C' - é algo que faz parte de nós e cuja definição é tão complexa que chega a ser ambígua. Faz parte da nossa cultura, das nossas vidas. É algo com que nascemos e com a qual lidamos durante toda a nossa existência, mas no fundo, é o quê?

Sabemos que pode ser considerada negativa quando é exercida sobre outros, e nos prejudica quando, por exemplo, somos preteridos por alguém que tem uma. Por outro lado, se formos nós os beneficiados, deixa de ser má para ser um motivo de orgulho. Os beneficiados por elas sentem-se privilegiados por conhecerem as pessoas certas nos lugares certos, sentem-se afortunados por pertencer a um grupo de elite que lhes permite, por exemplo, não perder tempo nas salas de espera nos centros de saúde para obter uma prescrição médica.

A 'cunha' não tem definida a sua aceitação social. No entanto, quando queremos fazer algo tão simples como esclarecer uma dúvida sobre impostos, a primeira pergunta que fazemos é: "Não conheces ninguém nas Finanças??". Estranhamente, a pergunta deveria ser a própria dúvida ou, na melhor das hipóteses "Vou às Finanças, ou ligo-lhes??" e não se conheço lá alguém ou se tenho algum amigo/conhecido de alguém que conheça.

A 'cunha' tem tamanha importância e presença que pode ser utilizada como unidade de medida da qualidade de vida: nascemos numa maternidade onde os nossos pais até têm 'cunha'. Significa automaticamente que vamos receber mais cuidados médicos e, provavelmente, o melhor quarto. Crescemos e os nossos pais colocam-nos no infantário do amigo de um deles. Quase será escusado dizer que todo o pessoal do infantário saberá o nosso nome desde o primeiro dia, bem como o dos nossos pais, sem falar no historial clínico e traços de personalidade que passarão a ser do conhecimento geral.

Quando vamos para a escola, a 'cunha' continua a marcar pontos na nossa qualidade de vida, pois a professora, que por acaso é amiga da tia, tem a constante preocupação de acompanhar a nossa evolução, nem que seja para informar a tia quando estiverem a tomar chá, isto sem falar nas notas que estão sujeitas a aprovação... Com o passar dos anos, a importância e amplitude do 'factor C' crescem como nós: serve para conseguir bons empregos, os melhores lugares e preços nos restaurantes, fazer aquela obra ou aquele negócio.

A 'cunha' é multifacetada e serve praticamente para tudo. Abre portas e resolve problemas. É um privilégio, quase uma benção, e tudo apenas porque se conhece este ou somos amigos daquele.

Mas porque é a 'cunha', sendo ela baseada em valores tão dignos como a amizade, a confiança e até a solidariedade, tratada marginalmente, como algo que não deve ser falado em público? Porque contamos com ela mas agimos como se não existisse?...

Porque a 'cunha' não é um favor que se faz a um amigo! A verdadeira essência da 'cunha' revela o que de mais primitivo e animal o ser humano tem. E nós sabemos disso. Sabemos que, quando metemos uma cunha, confessamos que não damos o nosso melhor todos os dias. Assumimos que não vemos todos da mesma maneira. Apercebemo-nos que a sociedade à qual pertencemos não passa do grupo de pessoas que conhecemos e pelas quais sentimos a obrigação de fazer mais qualquer coisa pelo simples facto de a elas estarmos ligados por qualquer tipo de sentimento. E são estas emoções que nos conseguem distrair do nosso sentido de sobrevivência. Instinto esse que nos torna irracionais e egoístas. Somos assim mesmo. Queremos o melhor para nós, todos os dias, e apenas nos ligamos aos outros porque precisamos deles de alguma forma. Somos animais como qualquer outro e tentamos sobreviver da melhor maneira. É da Natureza e da nossa natureza. E convenhamos que não é a coisa mais dignificante. É o ser humano no seu estado mais animal.

No fundo, queremos da vida o mesmo que uma hiena.

Quando metemos uma cunha, contribuímos para um mundo melhor... o nosso. É a lei da sobrevivência.

Nuno Gomes - "Estranha Mente" #002

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Bar do Lago

Há bares que, quando não existem, ainda bem que são inventados. Juntar no mesmo espaço valores como o bom-gosto, a simplicidade e o modernismo faz de uma invenção uma boa invenção.

Idílico é a palavra - ainda que comum - ideal para descrever o Bar do Lago. 'Germinado' no Jardim do Sameiro (Penafiel), a integração no desenho clássico do jardim é admirável e digna de aplauso.

O exterior do Bar do Lago disponibiliza uma esplanada bastante agradável, que convida, com as suas 'chaise-longues' e 'puffs', a um saudável desfrutar do ambiente natural envolvente, preferencialmente em tardes de calor e noites de temperatura amena.

Lusco Fusco BL PartyNo Verão de 2006, o Bar do Lago organizou a "Lusco Fusco BL Party", com a tarde preenchida pelas vibrações musicais de DeJarda. Foi o tipo de evento que potencia o apelo à celebração do bem-estar ao ar livre, de dia. Quem diz que só à noite é que se dança?


Lusco Fusco BL PartyDurante o dia é também possível contemplar o lago que rodeia parcialmente o espaço e que é uma mais-valia para todo o aspecto exterior. Curiosa a ideia de disponibilizar barcos de borracha para os presentes na "Lusco Fusco BL Party" se aventurarem nas calmas águas do lago, ao mesmo tempo que mantinham o contacto com o som que debitava das colunas da esplanada. 'Feel free to try' poderia ser o mote do convite para estes passeios no lago.

Quem quiser manter o pé em terra firme, pode disfrutar da esplanada inferior e observar a partida dos que ousarem navegar pelo lago.

Silver RoomPassando do exterior para o interior do espaço, deparamos com uma sóbria decoração condizente com o conceito que emana da existência do Bar do Lago.
Nas 'silver room' e 'golden room', os visitantes podem apreciar o trabalho de artistas convidados (DJ's, VJ's, ...), exposições de escultura e pintura, tertúlias e 'workshops'.


DA PIMP SHOWEm Julho de 2006, a performance audiovisual DA PIMP SHOW esteve no Bar do Lago, para apresentar selecções áudio de DJ PIMP e vídeo de VeJarda. Face à temperatura amena nessa noite, foi possível emitir as projecções vídeo na esplanada, o que levou muitos dos presentes a optar pelo ar-livre para darem os seus passos de dança.

Perante a relação cada vez mais consolidada entre a brakebit.org e o Bar do Lago, acordou-se levar a cabo o 'dia brakebit' no próximo sábado, 14 de Julho de 2007. Adivinhava-se (e percebe-se) a celebração dessa relação. O dia será preenchido a partir das 16h, com selecções musicais de DeJarda, seguindo a partir das 23h com mais uma sessão audiovisual DA PIMP SHOW.

O aplauso final vai para a política de preços praticada. Sem consumo obrigatório, nem sequer cartão, o Bar do Lago liberta os clientes para usufruirem do espaço como bem entenderem...

Hugo Canossa - "Apreciações" #005

terça-feira, 12 de junho de 2007

A crítica ou acrítica?

Gostaria de começar a minha apresentação pelas questões que me preocupam no âmbito da crítica de arte, dos seus propósitos e das suas possíveis concretizações.
A crítica, antes de ser qualquer outra coisa, é fruto da necessidade que o homem tem de conhecer o objecto que analisa. É um reflexo do interesse que nutriu por este. Digamos que ninguém se dá ao trabalho de criticar aquilo que não lhe interessa (a menos que seja masoquista ou tenha qualquer outra perturbação de índole psiquiátrico).
Por isso, esta forma de equacionar o mundo, a crítica, nunca pode esquecer que nasce de um interesse por outra coisa que não ela própria, que existe desde a sua criação um altruísmo verdadeiro, caso contrário pode estar condenada a cair no erro e descrédito, não passando de uma pretensão maliciosa.
Ela é uma das respostas às inquietações levantadas pelo objecto de análise, é a manifestação de um interesse quase religioso pelo sujeito do culto: o Deus-forma.
As questões que levanto são (ou pelo menos tentam ser) a base do processo da crítica, questões essas que não se prendem na analise do objecto artístico mas sim no motivo ou a génese da necessidade dessa analise e como ele, dentro dela própria, funciona.
Faço-o porque, enquanto criador, sou também profundamente crítico em relação ao meu próprio trabalho e ao que me rodeia.
“A crítica mais interessante e fértil é justamente aquela que na relação com o criticado compreende as fronteiras da sua própria perspectiva.(...) A crítica só tem um significado critico razoável: é consciência afectiva de limites.” ; pertence a uma “condição ficcional que se instala, ou mesmo se institucionaliza, num lugar de juízos determinantes”.
Quando esta se desloca da sua essência “secundária e dependente das obras, adquire a forma de actividade em si dando lugar a esse monstro que é a Crítica”.
“O exercício crítico não tem mais garantias que o criador. Tem menos, pois depende dele”.
“Com a verificação positiva desta impotência histórica não é o exercício crítico que finda e perde direito à existência. É apenas o mito da crítica e de homens que por direito divino encarnam essa excelsa aptidão”.
A tecla da subjectividade é accionada como parte integrante de todo o processo crítico. Não podemos esperar nunca uma objectividade crítica, pois ela tem dentro de si uma barreira que a impede de o ser. Ou seja, a crítica é sempre tão subjectiva como os pressupostos da obra, visto que “o ser da crítica não é mais que a sombra do ser literário, embora esta sombra não seja criada do exterior”. Entenda-se a palavra sombra como um adjectivo da subjectividade. A crítica é a “sombra de uma sombra”. Se substituirmos a palavra sombra por subjectividade temos: é a subjectividade de uma subjectividade. (Na linha do pensamento matemático mais elementar que nos diz que só 1 maçã + 1 maçã = a 2 maçãs). Neste sentido é como que o seguimento da génese do seu progenitor: “the meaning of a poem can only be a poem, but another poem, not a poem itself”. Tão simples quanto o reflexo no espelho de uma maçã torta só pode ser uma outra maçã torta.
Mas a sua coexistência não é assim tão direccionada, pois ambas dependem directamente uma da outra, se assumirmos que todo o processo criativo é comunicativo, temos que abordar sempre estes três factores essenciais e insubstituíveis: o emissor, o receptor e a mensagem (para já não falar nas subcategorias como o canal, a sintaxe, a semântica, o código, etc). No caso da superfície reflectora ser um espelho defeituoso, a imagem da maçã aparecerá distorcida não pela origem mas pelo objecto que a distorce.
A crítica deverá pôr sempre “a hipótese de que cada nova leitura possa implicar uma redescrição da obra. É necessário constatar que as obras por vezes constituem um processo de aparecimento/desaparecimento”. Não são de forma alguma coisas estanques no tempo. Implicam a noção do Devir. “A descrição é sempre posterior à hipótese interpretativa”, o que nos leva a admitir que a função da crítica não é a de apenas descrever.
Humberto Eco escreve: “Isolar estruturas formais significa reconhecê-las como pertinentes em função de uma hipótese global que se antecipa a propósito da obra; toda a análise dos aspectos significantes pertinentes supõem já uma interpretação”.
Esta frase é demonstrativa da repulsa que deve existir em relação à crítica que se baseia na simples descrição dos acontecimentos existentes dentro da obra. Tods estas afirmações prolongam a noção de obra aberta.
“O que define quais traços gramaticais são pertinentes enquanto traços estilísticos só pode ser uma hipótese de interpretação global que se antecipa à própria descrição da obra. É por isso que não faz sentido falarmos em descrição objectiva sem termos em conta que a descrição é sempre posterior à hipótese interpretativa.
Panovsky: “Qualquer descrição deverá, num certo sentido, antes mesmo de ter começado, inverter a significação dos factores de representação puramente formais para fazer deles símbolos de algo que é representado. A partir daí, e faça o que fizer, a descrição abandona uma esfera puramente formal, para se elevar a nível de uma região de sentido”.
A crítica tem a árdua tarefa de converter os objectos na sua forma conceptual inicial, pois não serão as palavras que correspondem às imagens mas as palavras que correspondem às palavras que as imagens correspondem.
“A crítica é, por assim dizer, um experimento com a obra de arte, o que a faz reflectir sobre si mesma e a conduz à autoconsciência e ao autoconhecimento. (...) O sujeito da reflexão é, no fundo, a própria obra de arte, e o experimento não consiste na reflexão sobre a obra, reflexão esta que não poderia mudá-la na essência, conforme o espírito da crítica da arte romântica e sim na reflexão dentro da obra, no desdobramento da reflexão, o que significa, para o romântico, desdobramento do espírito”.
Ou seja, a crítica, pertencendo ao intrincado processo comunicativo da criação, é também ela aberta, estando dessa forma em sintonia com o objecto de análise. Ela faz parte da descoberta interior da própria obra. Deverá funcionar como uma prótese que não substituindo, vem acrescentar mais valias a esta.
Segundo Valéry, “o objecto de um verdadeiro crítico deveria ser descobrir que problema o autor, sabendo-o ou não, colocou e procurar se ele o resolveu ou não”.
A crítica nunca deverá esquecer a sua principal vertente de questionamento, que se sobrepõe a juízos de valor, ou qualquer outro tipo de questões de carácter particularmente subjectivo e possivelmente castrador.

Para finalizar, no meu entender, a crítica refugiou-se num savoir faire que passa demasiado por questões linguísticas que estão demasiado fechadas em si mesmas, esquecendo que o seu propósito inicial é constituído por questões conceptuais que são tratadas dentro da própria forma plástica (ou qualquer outra), e que mais do que simples palavras, devem ser palavras que evocam formas diferentes delas.
De um livro sobre Retórica: “A retórica clássica, a arte de bem falar, ou seja, a arte de falar (ou escrever) de forma persuasiva, propunha-se a estudar os meios discursivos de acção sobre um auditório, visando ganhar ou acrescentar a sua adesão às teses que lhe eram submetidas.(...) todos estavam de acordo sobre o facto que é a superioridade do saber que confere qualidades para as funções dirigentes, mas será forçoso confiar ao bom orador ou ao dialéctico realizado o tratamento dos assuntos políticos?”.
Esta questão parece-me importante porque me suscitou dúvidas sobre o possível papel da crítica da arte de hoje, que se vê muitas vezes sujeita às regras de mercado e, como tal, obedece a critérios de persuasão e marketing muito complexos. Faz tudo parte do mesmo saco, e parece que, de facto, a crítica é corrompida por esse sistema, não cumprindo dessa forma o papel para a qual foi tão nobremente criada. Ela torna-se muitas vezes uma questão de retórica, de dar rebuçados fora do prazo a crianças com os dentes muito corrompidos por cáries. “O orador educava os seus discípulos para a vida activa da cidade: propunha-se formar homens políticos ponderados, capazes de intervir de forma eficaz tanto nas deliberações políticas como numa acção judicial (...)”.
Mas tudo isto são críticas que ficam no ar...

Hugo Santos (algures no espaço/tempo) - "State of the art" #002

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Noites da Queima das Fitas 2007 do Porto

Mais um ano, mais uma edição das Noites da Queima das Fitas do Porto. Como não poderia deixar de ser, estive no Queimódromo, nos dias em que os concertos o justificavam. Os meus anos de estudante de Licenciatura já lá vão e, embebido que estou na máquina que faz girar o país, não me sobra tempo nem disposição para investidas 'barraqueiras'.

Noite de dia 6 da Queima das Fitas 2007 PortoA primeira noite apresentava concertos dos The Mad Dogs, vencedores do concurso "Salta da Garagem para o Palco Principal" (promovido pela FAP), e dos Blasted Mechanism, que avançam na estrada na apresentação do álbum "Sound in Light".

A banda do Porto teve a 'honra' de abrir o Palco Principal das Noites da Queima das Fitas do Porto. Se isto poderia significar tocar para um grande número de pessoas, o facto de as portas abrirem apenas a partir da meia-noite, a revista demorada por parte da Polícia a quem entrava no recinto e, provavelmente, a grande massa de estudantes estar ainda a caminho do Queimódromo, oriundos da Serenata, fez com que fossem (ainda) poucos os presentes.
Ainda assim, os The Mad Dogs não deixaram fugir a oportunidade de dar a conhecer o seu rock'n'roll fluido, com uma actuação competente e um bom relacionamento com o público. A destacar "Wrong girl, right choice" (ver vídeo) e "Gimme rock'n'roll" (ver vídeo), temas que ilustram a sonoridade característica dos The Mad Dogs. Se o concerto não foi deslumbrante, foi, no mínimo, cumpridor.

Com grande expectativa (mais uma...) aguardava o concerto dos Blasted Mechanism, agora que já ouvi o álbum "Sound in Light" (ler o artigo "Sound in Light / Light in Sound") o número de vezes suficiente para reconhecer as músicas e - algo que me agrada imenso - cantá-las. Por isso, não seria sincero se dissesse que gostei do concerto. Ou melhor, não gostei do som! Nada mesmo. Não sei se a falta de qualidade do som se justifica pelo facto de o 'sound-check' não ter sido o mais correcto, ou outros problemas que não quero nem consigo agora imaginar, o que sei é que já ouvi concertos dos Blasted Mechanism com um som muito mais limpo. O próprio público não esteve, também ele, ao nível de concertos anteriores, facto comprovado e questionado pelo próprio Karkow.
Blasted Mechanism nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoA componente cénica parece ter sido a salvação do espectáculo, num concerto onde mais palavras em português ouvi da boca de Karkow. Se o 'karkoviano' soa estranho, não deixa de ser curioso como o português não soa menos estranho.
Os Blasted Mechanism passearam por temas do novo álbum, como "Unarmed rebellion" (ver vídeo) e "Sound in Light" (ver vídeo), mas também pelos álbuns anteriores, como "Blasted Empire" (ver vídeo), "I believe" e "Are you ready". Para fim de concerto, estavam destinadas músicas como "Nazka", "Maytsoba" (que, na minha opinião, é a música mais poderosa e que melhor ilustra o que é um concerto dos Blasted Mechanism) e "Atom bride theme", mas também estas não sobreviveram ao som miserável que debitava das colunas.
Fico a aguardar um outro concerto, onde possa desfrutar da verdadeira qualidade sonora, e aproveito para deixar aqui o desejo de voltar a ouvir temas que não ouço há muito nos concertos: "Swinging with the monkeys", "Memories will fade" e "Bolivian Feel"!

Noite de dia 7 da Queima das Fitas 2007 PortoA minha segunda noite de concertos foi na denominada 'noite reggae'. Não sou - nunca fui - grande apreciador deste estilo de música. Estou bem consciente do goto em que caíu o 'reggae', da penetração deste estilo em muitas 'playlists' e, embora não me agrade muito, ouço as músicas de início ao fim quando me são dadas a ouvir. Considero-me, por isso, mais do que isento para falar sobre os concertos desta noite.

Mercado Negro nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoOs Mercado Negro apresentaram um concerto de grande componente festiva e onde destaco a insistência de Messias (ex-membro e co-fundador dos Kussondulola), em levantar a moral dos presentes, com mensagens de apelo a uma confraternização saudável, mas também de intervenção, com sonoridades espirituais. Embora com alguns passos de dança próximos do imaginário de saltimbancos, a capacidade de comunicação foi coroada com a partilha das vibrações em temas como "Arco-íris" (ver vídeo), "Oh Lua" (ver vídeo) e "Beija-flor" (ver vídeo).
Devo referir ainda a acção de marketing levada a cabo por Messias na apresentação do sítio web da banda, onde podemos efectuar a compra de t-shirts. Porque refiro isto? 'Puristas' do 'reggae' explicaram-me que esta - continuemos a chamar-lhe assim - "acção de marketing" vai contra os conceitos de que se constitui a filosofia 'reggae' ("Babilónia"...). Não sei. Ou porque não estou muito identificado com essa filosofia, não fico nem chocado, nem surpreso, nem nada. Apenas fui lá para ver o concerto de uns Mercado Negro, com o objectivo de ser entretido. E fui.

Patrice nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoMais 'novo' para mim era Patrice, cujo nome (devo confessar) nunca tinha sequer ouvido. Até para conseguir escrever este artigo, fui auscultando pessoas no sentido de me fornecerem dados sobre o 'artista'. Passo a apresentar alguns dos referidos: "Oh!...", "É mais ou menos...", "Não vais curtir...", "É reggae p'ras gajas"...
Com uma expectativa nivelada muito por baixo, ouvi Patrice sem qualquer compromisso. Talvez por isso, também tenha gostado, também porque me senti entretido, mesmo se músicas houve em que Patrice ficou a solo no palco a cantar, momento tido por muitos (eu incluído) como ideal para deslocações a barracas para recarga dos sumos de cevada ou wc's para a descarga desses mesmos sumos de cevada...
Com letras que apelam a uma consciencialização social, e com os acordes da sua guitarra, atingiu-se, por vezes, momentos de celebração colectiva, como foram os casos dos temas "Murderer" (ver vídeo) e "Soulstorm" (ver vídeo).

A globalidade dos sons no palco principal na noite 'reggae' foram quentes, descontraídos e, por vezes, contagiantes. A sensação de 'partilla' sobrevoou a área dos concertos, num misto de tranquilidade e acção.

Rui Azul Index nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoNa tenda 'CineJazz' (área onde me considero totalmente suspeito) estava reservada a 'surpresa' e, para mim, o momento alto da noite. Com uma decoração próxima do ideal (alcatifa a convidar a uma fruição do espectáculo sentado ou mesmo deitado), o projecto Rui Azul Index (ver vídeo) foi o 'cicerone' de serviço na viagem pelo mundo do jazz.
Através de narrações da História do Jazz dos anos 50, 60, 70, 80 e 90 do século passado, e com uma cuidada e coordenada apresentação de slides com artistas proemimentes (vi lá o genial Pat Metheny...), foram sendo transmitidas informações históricas e músicas dessas décadas. A dada altura, não resisti a contemplar o som na posição horizontal...
É uma iniciativa que aplaudo com vigor, e que demonstra atenção por parte dos organizadores em incluir sonoridades 'à margem' das tradicionais dos concertos da Queima.

O balanço da noite foi altamente positivo, e considero muito bem empregue o dinheiro gasto e tempo passado no Queimódromo.

Noite de dia 10 da Queima das Fitas 2007 PortoA presença na noite de quinta-feira foi causada pela satisfação resultante da noite de segunda-feira. Inicialmente, não estaria presente nesta noite, pois não sou grande conhecedor de Mundo Secreto e não tenho boa impressão de concertos dos Da Weasel na Queima do Porto. Ainda assim, porque tento não ser fóbico, investi em mais um bilhete para poder opinar com fundamento sobre os artistas desta noite.


Mundo Secreto nas Noites da Queima das Fitas 2007 do Porto Dos Mundo Secreto, banda de Leça da Palmeira, fiquei a saber que têm um tema incluído na novela "Morangos com açúcar". Não vou aqui discutir se isso é bom ou não, o que me parece certo é que todos os 'artistas' incluídos na banda-sonora da dita novela passam por uma espécie de 'limbo' (termo teosófico recentemente encerrado pela religião católica) do espectro musical português.
O que há a dizer então sobre a rapaziada (10 elementos!) presente no palco principal no primeiro concerto de quinta-feira? Segundo palavras dos próprios, estavam a "jogar em casa", facto que se notou no à-vontade do relacionamento com o público e a fluidez do desfile das músicas. Com 4 vocalistas a debitar o conteúdo linguístico de letras jovens e 'frescas', assistiu-se a uma primeira parte com uma certa musicalidade variada e bastante versátil.
Numa sequência musical apresentada pelo DJ de serviço, que eu definiria como segunda parte do concerto, foram apresentadas vocalizações novas para temas de Led Zeppelin, Pink Floyd, Grandmaster Flash e Run DMC. É questionável esta opção, tendo ficado no ar a ideia de que serviram para preencher tempo... Numa altura em que muito se fala de direitos autorais, fica a pergunta (para quem quiser e/ou saber responder) no ar relativamente ao enquadramento legal daquilo que foi apresentado nesta sequência.
A 'terceira' parte foi o clímax do ambiente festivo que os Mundo Secreto conseguiram injectar. Temas como "Hey Boy", "Chegamos à party" (ver vídeo), com uma especial e interessantíssima batucada (ver vídeo), "Sente a vibração" e "Hip-Hop (põe a mão no ar)" (ver vídeo) concluíram um concerto de uma banda que, longe de contribuir para novos caminhos musicais ou demonstrar primor técnico, tem presente na música e na atitude parâmetros decisivos para uma óptima celebração.
Será uma banda a ter em atenção, no sentido de verificar a (esperada) evolução. Parafraseando um dos MC, "até looougo...".

Da Weasel nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoPela enésima vez na Queima das Fitas do Porto, os Da Weasel vieram apresentar o seu mais recente álbum "Amor, Escárnio e Maldizer". Com uma (nova) postura de assumida paixão pelas gentes e atitudes da "malta do Porto" (não consigo esquecer a troca de mimos entre banda e público num concerto na Queima de 2002 ou 2003, onde Virgul, se dirigiu ao público com um sonoro e infeliz "Filhos da p***"...), o concerto foi potenciado por uma componente luminosa e visual completamente inédita para mim. Se me lembrar que o concerto destes mesmos Da Weasel da Queima de 2005 foi de tal modo pouco apelativo, ao ponto de me ter ausentado do recinto para ir jogar matraquilhos (coisa que não fazia há anos...), então a maior virtude do concerto deste ano foi exactamente o facto de ter recolhido a minha atenção e ter feito com que apreciasse o concerto todo. Sou obrigado a assumir que foram as luzes e vídeos que me prenderam, uma vez que, musicalmente, os Da Weasel apresentaram mais do mesmo.
Sem dúvida que alguns refrões apelam a um coro uníssono, em temas como "Todagente", "Outro nível" (ver vídeo), "Re-tratamento" (ver vídeo), "Tás na boa" (ver vídeo) e o novo "Dialectos da ternura" (ver vídeo), que constituíram os momentos altos da noite. A rever o tom 'zunzurrante' de algumas baladas apresentadas, onde a voz grave de Pac Man não permitia perceber as letras...
Por fim, destaco a mensagem final da música "P*** da revolução", onde Pac Man apela ao respeito racial, sinal de alguma maturidade e evolução relativamente a situações como a vivida no tal concerto em 2002 ou 2003.

Minneman Blues Band nas Noites da Queima das Fitas 2007 do PortoA Minneman Blues Band foi a seleccionada para animar aqueles que se deslocaram à tenda 'CineJazz' e, embora com um 'ambiente' diferente de segunda-feira, também nesta noite se viveram momentos altos. A fruição do concerto de pé, por parte de alguns, e a postura completamente alucinada do responsável pelas teclas e voz, transformou a tenda em bastante mais do que o 'lounge' que se esperaria. Ainda que algumas vezes 'interrompidos' pela atitude de 'paparazzi' Os paparazzi do Porto Canallevada a cabo pelos repórteres do "Porto Canal", que insistiam em arrancar expressões e declarações dos presentes, continuo a achar que a tenda 'CineJazz' merece o meu prémio de 'boa onda' nesta Queima das Fitas do Porto 2007.

A palavra final, e importante!, vai para os preços praticados pelas barracas Super Bock. FI-NAL-MEN-TE, descobriram o ponto de equilíbrio na relação preço/quantidade, que certamente fez com que os lucros da venda do tão precioso sumo de cevada atingisse valores inéditos. Dá que pensar que, na Casa da Música (mesmo nos concertos no estacionamento), por exemplo, determinada empresa de 'catering' aplique preços 4 vezes superiores aos praticados nesta Queima.

Hugo Canossa - "Apreciações" #004

sábado, 5 de maio de 2007

Sound in Light / Light in Sound

Os Blasted Mechanism apresentam em "Sound in Light" um álbum duplo num formato diferente, em que uma metade é física e a outra é oferecida pela banda na Internet. Os dois anos que passaram na estrada a promover "Avatara" fez com que a criatividade atingisse valores musicais que não cabiam num único disco, optando por inserir outros temas que permitissem manter a conceptualidade do disco.

A metade física do álbum apresenta sons frenéticos e vibrações agudas, como em "Battle Of Tribes" (ver registo do concerto de 17 de Março no Pavilhão Municipal de Gaia), sons tribais no manifesto de iniciação para a "Total Rebellion", mensagem étnica de (re)união e esperança no single de apresentação "All the Way" (ver registo do concerto de 17 de Março no Pavilhão Municipal de Gaia), a força do tema-título "Sound in Light" (ver registo do concerto de 6 de Maio no Queimódromo do Porto), agradáveis atmosferas, como "Sunshine" (com o diálogo entre Dani, do projecto espanhol “Macaco”, e a flauta de Rão Kyao), a falsa balada de tons electrónicos "URU (Strange Faces)", com um crescendo que resulta num declamar de timbre cómico de guitarra e metais, o típico som Blasted, enérgico e poderoso em "Mystical Power", e o electro-rock musculado, com letra envolvente, de "You Never Gave Me Nothing".
Numa convivência saudável com todo este frenesim, encontramos baladas como "We" (com uma guitarra lacrimosa, a cargo de António Chainho), a ambiência misteriosa de "Suddenly", as tonalidades orientais misturadas com bases rítmicas tribais e vocalizações imaginárias de "N’dezdai Ddu Stae", o ritmo dançável da mensagem pacifista 'descritiva' de uma viagem a Etiópia de "Unarmed Rebellion" (ver registo do concerto de 6 de Maio no Queimódromo do Porto), as percussões étnicas e tribais de "Zimadê", e a introdução "Sfi Nassam" para a atmosfera ambiental de "New Assault".

Apresentado como grande inovação na relação com os fãs, e com um pensamento na defesa dos direitos autorais, o CD "Sound in Light", disponibiliza, após inserção num computador com ligação à Internet, um link que permite descarregar "Light in Sound", a metade virtual do álbum, bem como o elemento gráfico (a 'bolacha') para colar no CD-R utilizado para a gravação. O digipack original contém uma ranhura onde pode ser guardado este álbum. Estão prometidos mais temas que farão crescer a parte virtual ao longo do ano.

Light in SoundEste disco representa o 1º CD "não-original", "desmaterializado", que tenho dos Blasted Mechanism. Acredito que uma publicação a este nível tenha em atenção o enquadramento no contexto legal das posses de cópias de CDs. Quero também acreditar que existe alguma (in)formação no interior das forças de autoridade para a realidade de posse de CD-R fornecidos pelos próprios artistas.

Musicalmente falando, "Light in Sound" apresenta temas fortes com o break electrónico e o crú ritmo drum'n'bass, de sonoridade oriental, de olhos 'on Tibet', com uma melancólica e curiosa vocalização no final de "Reveal Your Art", o crescendo dos metais a contribuir para o resultado festivo de "Barbiturical Convulsion" e o rock electrónico de "Lean Over".
Para um desfrutar mais relaxado, podemos apreciar a sonoridade céltica da gaita-de-foles de "Dimensional Nomads", o downtempo electrónico com um jogo vocal de "Vibe Master", a balada "Rise To The Level", o rock nostálgico de "The Perfect Shine", o downtempo atmosférico, convidativo para uma viagem em tapete voador de "Mahatma" e a música minimal dançável de "Saturn" e "1000 Miles".

Ao 5º álbum de originais, o conceito Blasted Mechanism atinge um grau de apuro próximo daquilo que pode ser visto ao vivo. O espírito festivo, potenciado com as colaborações dos Kumpania Algazarra, Transglobal Underground ou Gaia Beat, a envolvência étnica, as batidas electrónicas e sons das raízes, remexidos num autêntico caldeirão de fusões musicais, constituem-se como convites para presenças obrigatórias nos ambientes tribais de celebração dos concertos ao vivo, o 'habitat' natural por excelência destes seres.

Hugo Canossa - "Apreciações" #003

terça-feira, 10 de abril de 2007

M.I.C.E. ou o edificio opaco...

Edifício Transparente No Porto existe um monumento que, como muitos no nosso país, não é devidamente apreciado. Não se trata de um qualquer edifício com séculos de história, mas sim um exemplo de arquitectura moderna, cujo tema não podia ser mais actual. Trata-se do Monumento à Ignorância do Contribuinte Eleitor (M.I.C.E.), também conhecido como Edifício Transparente.

Localizado na orla marítima, entre as cidades do Porto e Matosinhos, encontra-se um imponente caixote de betão e vidro que, aparentemente, não serve para nada. Construído inicialmente para entreter construtores civis, este monumento impôs-se no mundo artístico pela força da mensagem que carrega. À semelhança de Guernica de Pablo Picasso, que alerta consciências para os horrores da guerra, o M.I.C.E. alerta-nos para o desgoverno em que o nosso país caiu.

Mas falar de uma obra de volumetria considerável, cuja única função é a mesma de um burro ao sol, é omitir a sua verdadeira função. Omissão essa que suspeito, seriamente, ter origem nas mesmas pessoas que até hoje não conseguiram explicar de forma clara e inequívoca como é que aquilo apareceu ali.

Pois bem, a Estranha Mente, após horas de observação e estudo desta obra, conclui que o Edifício Transparente, cujo nome é uma antítese da sua essência, é uma homenagem:
- a todos aqueles que não votam porque acham que isso da política não é nada com eles;
- aos políticos corruptos, gananciosos, sem escrúpulos e incompetentes;
- aos construtores civis;
- ao desinteresse do contribuinte relativamente à aplicação dos dinheiros públicos;
- ao desinteresse do eleitor relativamente à competência de quem elege.

Edifício TransparenteNo fundo, este edifício homenageia-nos a todos. Simboliza o Portugal actual como nenhum outro e acima de tudo obriga-nos a reflectir, como qualquer grande obra. Nada neste país espelha tão bem o estado geral da nação como o M.I.C.E., que para além de prestar homenagem, tem também uma componente esclarecedora. Senão vejamos: está em casa em frente à televisão a assistir a um qualquer debate politico, imagine o tema da OTA no "Prós e Contras" e ouve os intervenientes a defender as suas posições com palavras como: rigor orçamental, estudos profundos, na procura do melhor, etc. Começa a ficar com dúvidas, pois dos dois lados os argumentos vão-se anulando, e pensa qual será a melhor decisão. Não pense. Lembre-se do Edifício Transparente que automaticamente o seu pensamento ficará mais claro e desanuviado. Perceberá de imediato que o que está a assistir é a uma batalha de diferentes lobbies para o tentar convencer a si. Ficará claro que, por mais papéis que lhe mostrem, você nunca saberá quem defende que interesses, mas uma coisa é certa: não é o seu.

Ao entender o M.I.C.E. perceberá que o povo já não é quem mais ordena (se é que alguma vez foi), mas que o povo não risca nada. Perceberá que lutamos para derrubar um regime que oprimia a liberdade de expressão, para o substituir por um outro que lhe permite reclamar mas que não tem livro de reclamações. Perceberá que no mundo actual só há dois tipos de classes: os que se orientam, e os que são orientados, tudo sem qualquer tipo de orientação.

Por tudo isto, apelo aos responsáveis pelas recentes obras de adaptação do Edifício Transparente a espaço comercial e de lazer que parem imediatamente! Não cometam esse erro! Na qualidade de ingénuo optimista orientado, vulgo cidadão, eu preciso desta luz. Dar uma utilidade a este espaço é destruir a sua essência! Eu reconheço que o que esta obra representa não é muito dignificante. No entanto, temos muito património que advém de períodos negros da nossa história que ainda hoje se mantêm, quer pela sua utilidade, quer por não nos deixar esquecer deles, para que possamos aprender com os nossos erros.

No futuro, quero poder mostrar esta obra às futuras gerações, referindo-me a um tempo em que este país construía por construir, decidia por decidir, falava por falar.

Quero, com a mesma intensidade que falaram da revolução de Abril, poder falar do meu tempo de total desorientação politica e social. De um tempo em que tudo fazíamos para ser melhores europeus, sem nos lembrarmos que, para isso, teríamos que ser grandes portugueses. De um tempo em que quase se perdeu o sentido de nação, em virtude de uma necessidade de afirmação europeísta. De um tempo em que os políticos estagiavam no governo nacional, para poder fazer carreira internacional. De um tempo em que as pessoas queriam mais ser Europeus de origem portuguesa do que Portugueses. Portugueses esses que originaram a Europa das grandes nações. Sim, Portugueses que originaram a globalização, que criaram uma das mais antigas nações deste continente. De um tempo em que amor à pátria tinha duas vertentes: a das bandeiras que acompanhavam a selecção nacional e a dos saudosistas do fascismo.

Mas talvez estas obras no M.I.C.E. tenham a mesma finalidade da mudança de nome de Ponte Salazar para Ponte 25 de Abril. Ou seja, a ponte não deixou de ser útil, apenas o nome desapropriado. Talvez seja um sinal de mudança… uma revolução silenciosa…

Nuno Gomes "Estranha Mente" #001

sábado, 31 de março de 2007

Ursula Rucker na Fnac de Santa Catarina

Ursula Rucker Ursula Rucker esteve na Fnac de Santa Catarina, na passada quinta-feira, 29 de Março de 2007, para promover o novo álbum "Ma'at Mama", e o concerto de apresentação a decorrer nessa noite, na discoteca Indústria (Porto).

Com um (curto) "showcase" de 3 músicas, a poeta-cantora de Filadélfia (EUA), que já foi 'a' voz dos "4 Hero", e já colaborou com nomes como "King Britt", "Josh Wink" ou "The Roots", presentou o público presente com ritmos hiphop, soul e jazz a envolver a poesia intervencionista e fluida, que apela e chama a atenção para a independência da criação musical e à própria libertação daquelas etiquetadas como 'supa-sistas'.

Para uma plateia de 150 pessoas, para quem as 3 músicas souberam a pouco, foi a oportunidade de abrir o apetite e ficar atento ao novo álbum.

Hugo Canossa - "Apreciações" #002

segunda-feira, 26 de março de 2007

Há crítica de arte em Portugal?

Esqueci o que fui ontem. Hoje sou isto. Amanhã poderei ser ou não.
A isto costuma catalogar-se de Loucura (não a loucura do Erasmus, claro).
A ausência da consciência da temporalidade implica uma ausência da noção de eternidade.

Começamos pois por salientar o carácter efémero de muita da arte dos nossos dias e de qualificar esse facto como algo de indesejável, na medida em que consideramos a arte “coisa” de eternidade, “coisa” não sujeita a upgrades, “coisa” livre, pois sim.

Será necessário falar do encerramento do Rivoli e a posterior entrada triunfal do equivalente ao McDonalds do teatro de revista, o nosso querido Filipe La Féria (será mais um dos Filipes que vêm ocupar o que não é deles?)? Iremos abordar a última ARCO? Podemos ainda falar da ausência total de crítica de arte nos jornais e revistas da actualidade? Porque não? Parece que à terceira é de vez.

Encontramos estrelas dadas às estrelas de cinema e aos filmes de cinema, e podemos constatar que há permissividade, não só para falar bem como para se falar mal, de um filme, ou seja, criticar de forma menos positiva um objecto sujeito a crítica.

Eis que chegamos “aqui” ao “primeiro” assunto desta nossa querida rubrica. E o assunto é: a ausência de uma verdadeira crítica de arte nos media nacionais (e quiçá internacionais).

A crítica existente em Portugal, no que concerne às artes plásticas, está resumida a pequenos textos introdutórios às exposições que por aí flagram, textos esses que, muitas das vezes mal escritos, são encomendados pelos próprios artistas ou pelas próprias galerias. E não nos parece, a nós (pois claro, gente na qual incluo os meus queridos leitores com algum palmo de testa e eu próprio, com um palmo mais pequeno), que alguém encomende algo que não lhe seja favorável. Podemos então somar dois mais dois e chegar à conclusão que a crítica de arte em Portugal é, se não mesmo inexistente, mercenária.
Tendo em conta as altas pressões que poderão ser infligidas sobre o vosso querido narrador, este despede-se introduzindo um escafandro que, esperançadamente, o protegerá. Até breve.

Hugo Santos - "State of the art" #001

quinta-feira, 22 de março de 2007

Blasted Mechanism

Conheci os Blasted Mechanism há uns 4 ou 5 anos nas noites da Queima das Fitas do Porto. Quando escrevo "Conheci...", refiro-me à primeira vez que tive o privilégio de fazer parte das viagens cósmicas em busca da espiritualidade (conforme Karkow, Ary e Valdjiu apregoam...), aquilo a que vulgarmente chamamos de 'concertos'.

O nome Blasted Mechanism vive comigo há já uma década, resultado de anos consecutivos de leitura do Blitz. Na altura, não imaginava (limites meus e do próprio meio de comunicação...) o som que aqueles 'seres' travestidos de alienígenas poderiam ou conseguiriam emitir. Por variadíssimas razões, apenas em 2002 ou 2003 consegui vê-los, ouvi-los. Também senti-los. Sim. Um concerto dos Blasted Mechanism sente-se. Ainda hoje recordo com um sentimento de nostalgia saudável a sensação absorvida naqueles 90 e não-sei-quantos minutos de espectáculo. A frase que mais pensei durante aquela performance foi "O que é isto?...". Na altura, não resisti a tentar partilhar a experiência com uma pessoa amiga através de um contacto estabelecido por telemóvel, avisando que ouvir não chegava. 'Aquilo' tinha que ser também visto.

Desde então, tenho acompanhado com especial atenção a viagem destes seres, tentando estar presente nas aterragens das digressões que efectuam. De lá para cá, assisti a cerca de 10 concertos dos Blasted Mechanism, sentindo um crescimento exponencial, musical, conceptual, e (ou mas?) também mediático.
Percebe-se perfeitamente que este projecto tem sido fortemente alavancado pelo apoio do Blitz, Sic Radical e Ant3na, desde o lançamento de "Namaste". O que estou a querer dizer com isto? Nada. Acho muito bem que projectos como estes tenham apoio de especialistas na área da promoção (imprensa, tv e rádio, neste caso...) se, com isso, me for dado a conhecer mais e melhores projectos.

É motivo de uma satisfação enorme poder inaugurar a crónica de "Apreciações" do brakebit.blorg com a minha apreciação (lá está...) do concerto (ou viagem cósmica...?) de apresentação do novo álbum "Sound in Light", realizado no passado sábado 17 de Março no Pavilhão Municipal de Gaia. Se hoje a sensação já não é (não podia ser...) de surpresa total, é de expectativa(s), quase sempre atingida(s) e superada(s).

Blasted MechanismA 1ª palavra vai para os figurinos. Dirão alguns de vós, desde já, "Pois, os fatos são sempre muito malucos. Mas há mais alguma coisa para além disso?". Há, respondo eu. Convicto. Há toda uma mensagem, uma música transmissora dessa mensagem e um figurino que 'embrulha' toda essa música e mensagem. Chamemos-lhe o conceito Blasted Mechanism!
A nova geração está agora (tra)vestida de algo semelhante a "soldados do Cosmos". Detalharia, dizendo que os novos figurinos são impactantes, luminosos!, situados entre um misticismo ancestral e um futuro cósmico.
Li algures que "parecem os Power Rangers". Sim. Fazem lembrar os Power Rangers. A estes, nunca lhes achei piada. O 'som' deles nunca me agradou. Os Blasted Mechanism são bem melhores. Agrada-me a mensagem e agrada-me ainda mais a música que emitem para transmitir a mensagem de união, solidariedade e paz...! Uma paz intensa, frenética, atingida através da transmissão orgânica nas performances ao vivo.

A sonoridade dos Blasted Mechanism avança no caminho da multiplicidade de etnias e tribos, com letras que apelam à procura incessante de uma sã e positiva espiritualidade, através de um código linguístico entre o inglês e o karkoviano. O ambiente festivo mantém-se, supera-se constantemente após a sucessão das várias músicas.
Apelando ao imaginário antigo de temas como "Are you ready?", "I believe" e as inevitáveis "Atom bride theme" e "Karkow" (ver registo vídeo), a banda apresentou temas do novo álbum, onde sobressaem, por ora, o tema single "All the way" (ver registo vídeo), mas também (pressente-se novos e frenéticos 'hits') "Battle of Tribes" (ver registo vídeo) e "Total Rebellion".
A reacção do público é cada vez mais sentida, interactiva, reactiva. Se, em alguns momentos, a música estimula uma partilha serena, noutras é requerida uma atitude mais frenética. De facto, não me recordo de ver, em concertos dos Blasted Mechanism, público com atitudes passivas. Quem não estiver para dançar, saltar, gritar, fica o conselho: não façam parte destas viagens. Se aparecerem, venham preparados. Física e mentalmente.

Duas palavras finais para a alteração do local do concerto e o início do mesmo.

Inicialmente previsto para o Teatro Sá da Bandeira, o espectáculo foi, conforme email recebido, "por motivos alheios aos Blasted Mechanism", transferido para o Pavilhão Municipal de Gaia. Exterior do Pavilhão Municipal de Gaia, sob uma tenda montada para o efeito, acrescento. Parece-me que o público ficou a ganhar. Não vejo o Teatro Sá da Bandeira com condições acústicas e espaço suficiente em palco para servir de ponto de aterragem da nave dos Blasted Mechanism, cujo som emitido exige espaço aberto para que respire bem, algo difícil de conseguir em espectáculos realizados em espaços fechados (sensação reforçada no concerto de encerramento da digressão de promoção de "Avatara", no passado Novembro, no Hard Club).

Não faço parte dos que contribuem para que os concertos comecem 1 ou 2 horas depois do estabelecido. Já gastei (perdi?) largas horas da minha vida por chegar 10 minutos antes da hora prevista para início de concertos, e passar por autênticas "secas", aguardando que as salas enchessem e que as bandas entendessem como a altura certa para os iniciar.
Por motivos de força maior, apenas consegui chegar ao Pavilhão Municipal de Gaia às 22h58. Não consegui conter uma sensação de fustração por, desta vez, o atraso no início do concerto não ter ultrapassado os 30 minutos, tendo os Blasted Mechanism iniciado a viagem por volta das 22h30. Apetece-me perguntar a que horas teria começado se, como é meu timbre, tivesse chegado às 21h50. Prometo estar atento a esta nova - e para ficar, espera-se - cultura do cumprimento (foram só trinta minutitos de atraso...) dos horários estabelecidos.

Hugo Canossa - "Apreciações" #001

segunda-feira, 19 de março de 2007

Crónicas e cronistas do brakebit.blorg

crónica s. f.
do Lat. chronica
fem. sing. de crónico
narrativa histórica, segundo a ordem dos tempos; noticiário dos periódicos; comentário de factos da actualidade; referências desfavoráveis à vida de alguém; revista científica ou literária que forma uma secção de jornal.


cronista
s. 2 gén.,
pessoa que escreve crónicas; historiador.


Definições do
"Dicionário da Língua Portuguesa On-Line", consultado em 15 de Março, 20h55



Hugo Canossa "Apreciações"
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Hugo Canossa, cronista de Apreciações





apreciações
derivação fem. plu. de apreciar
fem. plu. de apreciação
apreciar
do Lat. appretiare
v. tr.,
dar valor ou apreço a; ter em apreço; estimar; considerar; avaliar; julgar; calcular.


Definição do "Dicionário da Língua Portuguesa On-Line", consultado em 15 de Março, 20h58



Local multifacetado, concentrado de manifestos multi-artísticos, multi-culturais e multi-opinativos, onde terão lugar as apreciações, principalmente, mas também as sugestões e críticas. De quê? De tudo!

Desde discos a apresentações de discos, concertos, lançamentos de livros novos, mas também livros já lidos, estreias de filmes, mas também opiniões sobre os 'clássicos' do cinema (DVD killed the VHS stars? Claro. VHS also killed the Beta stars...), restaurantes novos mas também recantos de bem-comer e bem-beber, bares idos e bares vindos, discotecas de ontem, de sempre e do amanhã.

Estaremos presentes (fisicamente) em debates, seminários, colóquios de temas actuais, actualíssimos, importantes, ou nem por isso, desde que merecedores da nossa atenção. Vamos levantar a nossa voz. Temos perguntas para fazer. Esperamos ter respostas para ouvir.

Vamos estar aqui para apreciar. Com perspectivas de 360º. Que comecem os desfiles...



Hugo Santos "state of the art"
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Hugo Santos, cronista de state of the art





Caros artistas, artesãos, consumidores de arte, gente comum, público em geral.
É chegada a altura de meter as mãos na massa, no lodo, na verborreia pardacenta da nossa elite artística, para dela retirar qualquer coisa a mais do que um simples aperitivo ou um copinho de vinho do porto. É inaugurada, sem pompa nem circunstância, aqui e hoje, a crónica "State of the art".

“E o que se irá aqui tratar”, perguntam, e muito bem, os meus caros amigos.
Pois bem. Para perguntas difíceis, respostas difíceis.

Aqui poderemos, iremos certamente, quiçá de forma algo atabalhoada ou barrocamente poética, abordar os assuntos emergentes da arte dos nossos dias. É certo e sabido que a arte dos nossos dias é a arte de ontem, a arte de hoje e a arte de amanhã. Corremos pois o risco de ter uma escala temporal demasiado grande para o pretendido. Sendo que a mente humana é limitada e preguiçosa, tendo ainda em conta que essa característica se encontra bem oleada no cérebro deste vosso humilde narrador, somos forçados a limitar o tempo artístico aos momentos mais próximos que agora vivemos, sendo que o agora abrange um período relativamente curto de um ano, mais coisa menos coisa.

Não se trata pois de uma agenda cultural, nem de uma crítica, no verdadeiro sentido da palavra, mas sim de um critério crítico agendado de forma assimétrica. Talvez seja mesmo qualquer coisa deste género.

Despeço-me dos meus amigos, prometendo críticas agre-e-doce nas futuras incursões.



Nuno Gomes "Estranha Mente"
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Nuno Gomes, cronista de Estranha Mente





estranha

3ª pess. sing. pres. ind. de estranhar
2ª pess. sing. imp. de estranhar
fem. sing. de estranho
estranhar
v. tr.,
achar estranho, diferente daquilo a que se estava habituado, ou daquilo que se esperava; achar censurável; censurar; não se familiarizar com;
v. int.,
sentir surpresa, admiração; ficar ou sentir-se desadaptado.


mente s. f.
3ª pess. sing. pres. ind. de mentir
2ª pess. sing. imp. de mentir
mente
do Lat. mente
inteligência; intelecto; poder intelectual do espírito; espírito; tenção; desígnio; intuito; memória;
lembrança; concepção, imaginação.


Definição do
"Dicionário da Língua Portuguesa On-Line", consultado em 15 de Março, 21h03


Estranha mente... ou o terrorista do senso comum.

Espaço onde mensalmente se apresentarão pontos de vista sobre tudo e mais alguma coisa. Das grandes preocupações mundiais às regionais, passando pelas grandes questões filosóficas, sociológicas e até económicas.

Será uma versão para agnósticos das encíclicas papais ou um guia para desorientados conformados.

Nestas crónicas ou desabafos tudo será posto em causa. No entanto, gostaria de advertir que muito poucas respostas serão dadas. Tentarei destruir ideias feitas e estereótipos para os substituir por indefinições, ambiguidades e parvoíces. No fundo tornar o mundo o mais parecido possível com as nossas vivências mundanas.

Quantas vezes deu por si a repetir a frase “Serei eu que estarei a ficar estúpido, ou…”? Pois é por este simples, mas preocupante, motivo que a Estranha Mente tenta algo único: provar que o primeiro sintoma de um maluco (dizer que não o é, os outros é que estão), não é mais que o último suspiro antes de ser engolido por esse monstro chamado senso comum.

Numa sociedade onde as pessoas são na mais geral das generalidades classificadas como normais ou malucas, a Estranha Mente oferece uma nova ordem social: contra os carneiros, a favor de todos aqueles que, cada vez mais, percebem menos disto.

Se se considera um dos que cada vez mais percebe menos a sua realidade ou se ao fim destes parágrafos está completamente baralhado, não perca as mais irresponsáveis e pouco profundas reflexões, que irão abalar as suas mais fortes convicções…

Até breve.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2007

brakebit.blorg - o blog da brakebit.org





(pronuncia-se breiquebite ponto orgue) é uma organização criada em Janeiro de 2004, constituída por pessoas, individuais ou colectivas, que exercem a sua actividade no âmbito das Artes e da Cultura.

Ao fim de 3 anos de vida, caminhados com passos firmes, sentimos desejo de começar a falar...! Evolução natural, pensarão alguns... Nós também.

Tal como uma entidade humana começa a ter noção das coisas e a percepção do ambiente que a rodeia, também nós sentimos o ambiente que nos rodeia. Melhor ainda, percepcionamos o ambiente do qual nos queremos ver rodeados.

As experiências vividas, os ensinamentos recolhidos, as competências adquiridas ao fim de 1000 e alguns dias de existência fazem-nos sentir capazes de articular várias vozes, vozes essas que queremos partilhar e sentir escutadas.

Voltamos brevemente. A próxima publicação será a apresentação dos cronistas.